Existem coisas que acontecem em nossa vida que muitas vezes não damos muita atenção ou nem mesmo temos consciência sobre o que aconteceu.
Quando estamos falando da "nossa vida" temos que considerar o momento zero, ou seja, o momento a partir da nossa concepção, de acordo com as matrizes perinatais de Stanislov Grof - Sobre as matrizes perinatais , sugiro o livro "A descoberta do autoconhecimento" - e de acordo com Jung neste mesmo raciocínio, muito dos nossos problemas tem relação com a uma certa identificação com as figuras paternas, onde muitas muitas vezes estamos envolvidos com os problemas inconscientes dos nossos pais.
Para tentar me aproximar um pouco da realidade, quero trazer dois exemplos para ilustrar o problema dos fatos do passado que não damos muita importância.
Um homem com dificuldade de entrar em contato com seus sentimentos, e por isso com grande dificuldade de se vincular de forma verdadeira, traz a seguinte historia:
Quando garoto, entre 5 e 6 anos esse homem tinha um cachorro que virou seu confidente, sempre que acontecia alguma coisa que o deixava triste ele saia correndo, se sentava próximo a sua cachorrinha e chorava, se abria e contava todos seus problemas para a cachorrinha. Um dia esse cachorro foi entregue para outra família. Neste dia o menino chorou , se agarrou a sua cachorrinha, como se fosse perder parte importante de si próprio.
Pela primeira vez sentiu a dor da perda de alguém amado, pois o cachorro era mais que apenas um animal, era seu maior confidente, guardião dos seus segredos e de toda sua frustração infantil.
Mais tarde já adolescente, com 15 anos:
Passava maior parte de sua vida com os avós, um dia o avô decidiu que o melhor para a avó seria se mudar para interior, desta forma, vendeu a casa onde moravam , forçando assim o garoto a ir morar com o pai e a madrasta.
Mais uma vez perdia alguém importante. Para esse homem o que ficou registrado, desde a infância, foi o perigo de se vincular de forma verdadeira, pois sempre que isso acontecia a experiencia da perda é que se perpetuava. Para o ego, o registro é "Não se entregue, não se vincule, vamos nos machucar".
Toda essa dinâmica pode ser caracterizada como um neurose, para James A. Hall, "a descrição mais comum da neurose é está: a psique trabalhando contra si mesma, mais como um pais em guerra civil do que como um todo unificado."
Ainda sobre a dinâmica da neurose Hall diz que :
O neurótico é capaz de internalizar o conflito, criando complexas estruturas intrapsíquicas , que isolam o ego do conflito original mas produzem conflitos substitutos que parecem menos significativos apenas até o momento em que são observados analiticamente.[...]Isto está, por vezes, a serviço da manutenção de uma fase particularmente agradável do passado, de modo que o ego está parcialmente fixado através de uma aderência ao prazeres do estado passado.A fixação também pode ocorrer por causa de um severo trauma no passado, tentando o ego reproduzir a situação traumática a fim de poder resolve-la, ou compensar no presente o trauma do passado.
Muitas vezes essas tentativas de autorregulação do sistema psíquico não são reconhecidas de forma correta, algumas vezes as pessoas buscam em livros de auto-ajuda se desvencilhar dos problemas através das sugestões, que funcionam durante um pequeno período e que logo após essas pessoas acabam em depressão.
Essa guerra civil interna é na verdade um grande alerta para voltar-se para dentro, para entrar em contato verdadeiramente com aquilo que nos tira do presente e nos aprisiona no passado.
Certa vez escutei de alguém que :
O melhor lugar é o fundo do poço, pois é somente neste momento que sentimos os pés em terra firme, é neste momento que temos chão para empurrar para cima e sair.
É neste lugar que acontece essa guerra, o fundo do poço pode significar muito mais, pois talvez esse lugar sombrio tenha o mesmo significado que a noite escura onde os sonhos tem sua origem, um lugar onde muitos heróis mitológicos tiveram passagem e iniciaram seu retorno, aqui se encontra a casa de Hades que diferente de seu irmão Zeus que enxerga de cima e através da luz, Hades enxerga de baixo através da escuridão.
Não seria então o fundo do poço o melhor lugar para nos encontrarmos com o que há de mais sombrio em nossas almas? Para encontrar respostas de perguntas que nossa consciência não se cansa de ruminar ? Hillman, em seu livro "O sonho e o mundo das trevas" fala exatamente deste lugar e diz que:
Muitas vezes estamos buscando a saída para os nossos problemas no mundo externo sob a luz do dia, quando o movimento correto seria no mundo interno na escuridão da noite, esse mundo que só podemos nos encontrar no momento que fechamos os olhos e que podemos despertar para aquilo que realmente somos, pois é aqui que encaramos de frente tudo aquilo não tivemos coragem.
É no fundo do poço que encontramos nossas sombras ou nós mesmos sob o disfarce de diversas máscaras, é nele que nossos medos são engavetados ou partes de nós mesmos que um dia não tiveram coragem de dizer um não, que não tiveram coragem de dizer o quanto estavam magoados ou que não foram fortes o suficientes para desistir de algo.
Talvez o lugar certo para começar uma mudança seja realmente o fundo do poço, mas para que essa afirmação se torne verdade, antes é preciso se ver e reconhecer que nos encontramos neste lugar.
Não seria então o fundo do poço o melhor lugar para nos encontrarmos com o que há de mais sombrio em nossas almas? Para encontrar respostas de perguntas que nossa consciência não se cansa de ruminar ? Hillman, em seu livro "O sonho e o mundo das trevas" fala exatamente deste lugar e diz que:
A busca por um sentido é o que expressamos em uma linguagem como um desejo de compreender. Queremos ir além, abaixo do que está acontecendo e enxergar sua base, seu fundamento, como e onde está baseado. A necessidade de compreender mais profundamente, a busca por um chão mais profundo é como um chamado para Hades(...)
Muitas vezes estamos buscando a saída para os nossos problemas no mundo externo sob a luz do dia, quando o movimento correto seria no mundo interno na escuridão da noite, esse mundo que só podemos nos encontrar no momento que fechamos os olhos e que podemos despertar para aquilo que realmente somos, pois é aqui que encaramos de frente tudo aquilo não tivemos coragem.
É no fundo do poço que encontramos nossas sombras ou nós mesmos sob o disfarce de diversas máscaras, é nele que nossos medos são engavetados ou partes de nós mesmos que um dia não tiveram coragem de dizer um não, que não tiveram coragem de dizer o quanto estavam magoados ou que não foram fortes o suficientes para desistir de algo.
Talvez o lugar certo para começar uma mudança seja realmente o fundo do poço, mas para que essa afirmação se torne verdade, antes é preciso se ver e reconhecer que nos encontramos neste lugar.
Daniel Gomes
psicoterapeuta junguiano
dgterapia@gmail.com
referencias
HILLMAN, James. 2013. O sonho e o mundo das trevas, Ed. Vozes
HALL. James A.,1997. Jung e a interpretação do sonho A vida simbólica, Ed. Cultrix
HALL. James A.,1997. Jung e a interpretação do sonho A vida simbólica, Ed. Cultrix
STANISLAV, Grof. 1997 A aventura da autodescoberta, Ed. Summus
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