Vivemos em uma época em que os dias estão sempre atribulados, com agenda cheia de compromissos; rodeados de pessoas sem muita paciência e tudo isso é reflexo de um comportamento geral da nossa era. O próprio avanço tecnológico veio contribuir e muito para este dinamismo diário, mas nos faz também refém da facilidade extrema, de estar acompanhando tudo, em vários lugares do mundo, sem se preocupar com a hora, com a localização...tudo sem fronteiras.
Este ritmo de vida alimenta uma necessidade do excesso, de superar as expectativas, de se conquistar e saber mais e com isso, se busca também novas sensações, novas experiências, querendo superar também os limites do próprio corpo. Não é à toa que grande parte das pessoas estão buscando nos vícios essa sensação de escape e euforia que o dia a dia não consegue entregar. Mas sobre os vícios falarei em outro post. Nosso foco aqui continua sendo o “eu quero e tem que ser agora”. No livro O Mito do Significado – de Aniela Jaffé, ela cita um estudo sobre o uso de substâncias alucinógenas como ponto de contato com o inconsciente, cujo efeito colateral foi considerado quase que uma experiência religiosa, tamanha transcendência alcançada com a experiência. Ela cita também que este cientista acreditava que o uso dessas substâncias acelerava o contato dando melhores resultados no processo terapêutico, sendo assim muito usado pela “psicoterapia moderna” como meio de atingir os objetivos mais rápidos que a psicoterapia convencional.
Jung não desacreditou que algumas experiências relatadas teriam sido realmente quase que religiosas (e entenda aqui religioso como uma voz do Self, um contato maior com algo divino, numinoso) porém faz uma grande ressalva que eu concordo inteiramente, repudiando o uso de drogas em psicoterapia por respeitar a natureza e seus ritmos e leis próprios: “Uma experiência do inconsciente induzida artificialmente não está, em geral, de acordo com o desenvolvimento e a maturidade da personalidade. (...) Qualquer conteúdo que emerge do inconsciente para a consciência implica um dever espiritual ou moral, que, se não for cumprido, levará a incompreensões, complicações, sofrimento e doença.“
Ao longo do texto, fica explicito a preocupação de Jung em acelerar contatos e descobertas do inconsciente pois ao fazer isso, o que seria uma grande chave da transformação se torna um grande problema. Acho interessante o respeito pela pessoa em aceitar o tempo de cada um; respeitando os avanços e as descobertas conforme a prontidão para se lidar com cada assunto. Foi inevitável recordar de algumas ansiedades e angustias de clientes que querem correr com o processo terapêutico porque se veem na obrigação de ter respostas sobre tudo e o mais rápido possível.
Analisando a angustia, fica nítido que esta urgência que eles precisam esclarecer faz parte deste padrão fora consultório, que não se tem tempo de se questionar, de “dormir” com uma questão para senti-la ao fundo; que cobra uma solução imediata, respostas prontas na ponta da língua, até mesmo informação pronta vindo da terapeuta – como se isso fizesse ganhar tempo. Uma vez escutei uma história cômica sobre uma mulher que foi questionada sobre ter filho, ela afirmou que queria engravidar mas que achava a gestação uma coisa muito louca nos dias atuais, porque “quem hoje tem 9 meses para ter um filho?” Achei a colocação muito engraçada porquê de fato, como que nessa rotina doida se tem 9 meses para esperar algo “ficar pronto”? Tenho certeza que foi um jeito escrachado de falar sobre uma realidade: nem tudo se conquista na hora que se quer; é preciso esperar o ritmo da natureza e ela é perfeita. E o que parece ir contra o fluxo da rotina imediatista, ter um filho é um ato de coragem e tanto!
Enfim, quis trazer este tema para vocês refletirem sobre essa pressa toda em querer dar conta do mundo como se isso fosse mérito de pessoas capazes e superiores. E como é importante se respeitar, respeitar seu ritmo próprio principalmente no processo terapêutico onde cada questão tem que ser trabalhada com atenção, dedicação e principalmente respeito. Pode levar o tempo que for, o importante é tudo acontecer de verdade, quase que com uma devoção a própria história. Sentindo cada etapa, ouvindo cada sinal, vivendo cada transformação de corpo e alma. Na terapia, o imediatismo fica off-line, ok?
Marcella Helena Ferreira
Psicoterapeuta Junguiana
marcellahlferreira@gmail.com
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