Wednesday, February 24, 2016

A cansativa luta contra o chamado...

“Tudo aquilo que a gente resiste, persiste” (JUNG). Quanto mais eu fujo de uma situação, quanto mais eu corro da minha essência, mais ela estará presente pedindo voz, pedindo para se fazer presente, para ser acolhida e amada. Semana passada, eu e o Daniel fomos assistir o filme ‘A Garota Dinamarquesa’. Além de ser um filme incrível, que aborda um tema complexo de forma tão sensível e bela, quero trazer aqui o ponto que mais me tocou no filme e que vem me chamando atenção também no consultório: como é difícil e angustiante lutar contra sua essência, escondendo quem se é.

Percebo que muitas vezes, relacionamentos – sejam amorosos ou mesmo familiares – são conflituosos pois estão apoiados em uma trama de mentiras, num jogo de constantes acusações e vitimizações e muita energia é gasta diariamente para manter essa dinâmica. E mesmo a pessoa sofrendo, trazendo que não aguenta mais e que sua alma está pedindo socorro, no dia a dia não consegue largar a persona que foi criada, os hábitos nocivos que sustentou essa persona (máscaras) até então e acaba repetindo e alimentando essa trama, abafando cada vez mais a tentativa de libertação do Self (quem se é na essência, o si mesmo).

Você pode pensar que isso é natural, mas afirmo que não é. Pode ser usual – uma vez que a grande maioria segue esta dinâmica na vida – mas natural definitivamente não é. Como que as pessoas querem paz, saúde e realização violentando diariamente sua alma; negando o que faz sentido, o que se tem a oferecer ao outro de forma mais pura; calando os anseios e desejos da alma em troca de uma aceitação ou de manter a persona que agrada ao grupo que se pertence.

Se desnudar para dar voz ao Self e com isso achar o equilíbrio e a forma de se apresentar para o mundo pode ser dolorido, mas é de uma grandiosidade e profundidade absoluta. É libertador se encontrar e se fortalecer para enfrentar o mundo; as situações se tornam mais fáceis de serem vivenciadas porque ao invés de ter sua persona jogando contra a sua essência – e por isso dividindo esta força interna – você tem a união potencializando sua firmeza, sua vontade; seu ego se torna fortalecido e é ele quem vai conseguir se relacionar com o outro sem se violar.

Dias atrás, no Vidya Yoga, escutei uma explicação sobre os benefícios de se realizar (se encontrar, dar voz a sua essência), que vem ao encontro do tema de hoje. É uma frase do Osho se não me engano cuja essência fala: o processo do autoconhecimento não é algo que se ganha. Você não ganha, não acrescenta nada na vida que você leva, pelo contrário, você perde. O processo de autoconhecimento é uma perda constante daquilo que não te serve mais, de todas as roupagens (persona) que esconde sua essência, de todas as armaduras que te impedem de se expor, de dar e receber o melhor de você. Interessante, não? Para ajudar no entendimento, imagine uma cebola. É como se sua essência fosse aquele miolinho dela e o processo de autoconhecimento, para se acessar a essência, você precisasse tirar as camadas, uma por uma.


Ser único incomoda porque aprendemos que devemos ser iguais; crescemos vivenciando que é mais fácil seguir um modelo do que descobrir qual é a sua forma e com isso se relacionar mesmo sendo diferente. Mas quanto mais forte nossa persona se torna, mais longe estamos do nosso self. E como o universo é sábio, um dia ele te cobra atenção. O Self começa a pedir passagem, ele clama por atenção e não se pode mais negá-lo. Se resistirmos a este processo, nossa alma adoece. Uma alma adoecida novamente pedirá por atenção, mas desta vez somatizando doenças como forma destes sintomas serem olhados e cuidados. Há um ditado hindú que fala que “toda doença é saudade de casa”. Jung, por sua vez, fala que “os sintomas são deuses” e quando ele fala isso, ele fala sobre esta nova chance que temos de nos olhar, de mudar o que precisa, de acolher nossas fragilidades. Percebemos que todas as diferentes falas complementam uma a outra. Sempre é tempo de mudar. Sempre é tempo de se escutar, de se resgatar, e a psicologia analítica de Jung reverencia este processo. Nós não aceitamos cópias, valorizamos apenas os originais. E a chave da realização está em se encontrar. 

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